terça-feira, 19 de junho de 2007

Carta aberta a Clélia


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Minha analista me passou um escrito com os cuidados (que se deve ter) com o vínculo amoroso.

Gostaria de ser capaz de discutir com você o que penso a respeito, mas eu sei, por farta experiência, que se tentar falar estas coisas com você, você vai levar de vencido, você vai vociferar, gritar, me xingar, .... tudo menos me ouvir. E não quero brigar com você, quero me entender com você, conversando e não brigando. Não preciso e não faço questão de ter razão ... queria apenas ser capaz de conversar, trocar idéias, se conhecer melhor ... e quem sabe vivermos melhor estes últimos anos de nossa vida.

Eu sei que escrevendo isto também não vai adiantar absolutamente nada, porque você simplesmente não lê!

Assim mesmo, vou escrever o que penso, na esperança que, por algum fenômeno espiritual qualquer, parte do que eu estou escrevendo chegue até você, talvez até por intermédio de nossos anjos, o meu e o seu.

Compreender e aceitar que as pessoas são diferentes. Sim, somos diferentes. Não entendo totalmente você ou suas preferências sobre uma série de coisas ... novelas, por exemplo ... mas não interfiro. Suas preferências são sempre muito visíveis, você não faz segredo nenhum delas, como seu lugar no sofá. Ou falar sempre imediatamente tudo o que lhe vem à cabeça. Ou sua forma de religiosidade pragmática (de promessas, votos, velas, ou se persignar na porta de igrejas e cemitérios) que permanece um mistério absoluto para mim. Não interfiro e realmente, pouco critico. Você faz como quer e nunca fiz nada para impedi-la ou mudar-lhe os conceitos.

O fato de ter escolhido alguém para compartilhar de minha vida ... É difícil, voltando ao passado, rememorar claramente este processo de "escolha". Você queria casar e acabamos casando. Eu tinha pouco experiência destas coisas e você me parecia uma excelente opção, pela sua vitalidade, experiência, garra, etc ... para uma companheira.

Eu gostava de você? Creio que sim ... possivelmente não tenha sido uma grande paixão, mas gostava de você. Minha grande ilusão foi achar que você gostasse de mim. Não demorou muito para me dar conta, quer tenha sido real ou não minha dedução, que eu fora apenas um candidato oportuno, que nunca consegui substituir, nem de longe, uma recente decepção de uma forte paixão de sua parte. Inclusive para ser honesto, resta sempre em mim, a sensação, que você nunca me perdoou tentar ocupar ou usurpar o lugar em seu coração que pertencia ao objeto de sua paixão. Tudo o que fizesse para lhe conquistar, revertia claramente em mais raiva por mim. Como quem diz "como v. se atreve a querer - ou se julgar a altura - para me conquistar?"

Até que eu desisti ... quando percebi que assistir televisão, para você, era infinitamente mais interessante do que alguma intimidade entre nós.

Um dos grandes empecilhos .... é ter o outro como sua propriedade ... Definitivamente, você não é minha propriedade, nem a quereria. Você não é - e nunca foi minha mulher. Por opção sua, desde o começo. Por opção minha, após algum tempo. Você é minha esposa, minha consorte, sócia de nossos bens, temos amigos em comum, algumas poucas atividades que gostamos igual como o tênis ou um bom jantar em companhia de amigos, viajar (e somos bons companheiros de viagem, apesar de todas estas nossa diferenças e problemas particulares).

Mas você não é minha. Não peço nada de você, e peço muito pouco a você (a mim parece que você sempre faz questão de mostrar má vontade!).

Não quero nada de você que você possa naturalmente querer me oferecer (como seu sistema de valores e seu modo de agir) ... E não tenho a menor ilusão que dependendo de você, eu deveria ser igual a você, eu deveria fazer tudo o que v. acha que está certo!

E o que eu poderia precisar de você, você certamente não quererá - ou talvez não possa - me dar. E não tem nada a ver com sexo, mas coisas como um companheirismo espontâneo, umas conversas entre amigos, um mínimo de inclinação para ouvir minhas idéias e meu modo de pensar, um mínimo de cumplicidade, enfim, coisas assim, que são tão importantes para mim e de que você não tem a menor noção que sejam importantes para mim..

Ter como meta de vida o exercício da autonomia e da liberdade de expressão ... Dizem que capricorniano é que nem água. Pode introduzir um bastão nela, que ela acomoda, mas tão logo retira o bastão, tudo volta como era antes.

Sim, sou capricorniano .... mas estou começando a cansar. Quero ser capaz de fazer as coisas que eu quero, quando eu quero, não quando é conveniente a você, ao casal, à casa, aos compromissos, etc ... Já cedi bastante ao meu trabalho, à Caterpillar, não quero continuar cedendo a você. Quero ser capaz de dizer o que penso, sem que você me ache "mal-educado" ou lhe faltando à consideração. Me restringi por tanto tempo que dificilmente me dou ao trabalho de lhe expor minhas idéias, nem quero partilhar com você meus pensamentos e reflexões. E certamente, não meus sentimentos e emoções a respeito das coisas. Contudo, minhas opiniões sobre as coisas da nossa vida em comum, ou sugestões para eventuais problemas, mesmo que você não concorde com elas, você vai ter ouvir sem achar que é desrespeito à sua pessoa.

Pergunte-se sempre : como eu me sinto agora? o que eu penso a respeito disso? Isto me lembra um filme sobre ocupação da França pelos nazistas, em que um francês fala ao militar alemão : você pode me matar, mas você não pode me impedir de pensar. Sou um indivíduo muito cônscio de minha própria individualidade. Sou relativamente inteligente. E também sensível. Eu sinto e eu penso. E conheço meu valor. E você não pode fazer absolutamente nada a este respeito!

Conhecer suas carências e ausências de afeto, de atenção, de reconhecimento ... não espere que seu companheiro vá lhe dar isto. E não conto com isto ... mas sinto muito a necessidade do carinho e da intimidade e da cumplicidade de uma companheira que goste de mim. E não concordo muito com a minha analista ... pois considero que um dos objetivos do vínculo amoroso é justamente um dar consolo e apoio ao outro, em uma simbiose que enriquece os dois. Senão, sequer entendo a necessidade de convivência. Se não existir isto entre o casal, então, é bem melhor cada um ter a sua própria vida em separado!

Ter clareza que o companheiro não está a serviço de nossas realizações ... Sim, as minhas ambições são minha tarefa, isto é correto e não posso fazer de você minha secretária, minha assistente ou empregada para as coisas que eu quero fazer. Isto não faço mesmo e peço ajuda muito ocasionalmente. Mas você vive abusando disto e não pára de exigir de mim o envolvimento em tudo que você quer empreender. Você se acha no direito de usar de meu tempo, e de minhas habilidades como se fossem um direito seu a que eu não pudesse me furtar, como se eu tivesse um dever básico de lhe servir. Sempre vou lhe dar apoio na doença e no infortúnio .... mas estou retirando a cada dia que passa, minha disponibilidade em coisas que você valora mas que representam um desperdício para mim! Você vai ouvir "não" com uma freqüência muito maior.

O que o outro pode nos fazer é ser um bom amigo Pudera você me tratar como você trata seus amigos. Se não com uma verdadeira e singela amizade, pelo menos com um mínimo de cortesia e educação.

Duvide das verdades absolutas e dos comportamentos repetitivos. Certo, tenho lá meus pontos de vista e as vezes, bastante arraigados .... mas nunca vi uma pessoa tão radicalmente segura de si como você, até parece que você comprou a verdade .... e qualquer coisa que seja diferente do que pensa, só pode estar errada. E você está piorando com a idade. Às vezes penso que você está começando um processo de esclerose e que você deveria ver um médico a respeito.

A convivência a dois é permeada de constantes re-avaliações ... de forma que ambos possam se encontrar em um mesmo patamar... Busque alternativas novas para solucionar seus problemas ... Procure conversar sempre sobre como se sente, o que pensa e o que precisa


Me sinto totalmente incapaz de iniciar alguma coisa neste sentido, nós não conversamos sobre assuntos pessoais há muitos anos (alias, nós não conversamos sobre mais nada) e você já disse categoricamente que isto é um assunto absolutamente excluído entre nós. Você acha uma enorme vantagem termos retirado o sexo de nossa vidas (acho você uma perfeita idiota se você pensa assim : mas a realidade é que você esta feliz apenas de você não ter sexo é comigo!)


Você sequer está mais ouvindo quando falo com você! Ou mesmo se estiver ouvindo, patentemente, nem se digna mais responder! Se eu tivesse conservado um mínimo de desejo de conversar com você, devagarinho, está sumindo até a vontade de lhe dirigir a palavra. Que bela velhice estamos preparando para nós mesmos, não é?

A única maneira de podermos fazer estas re-avaliações seria a ajuda externa de um profissional. O que poderia levar você a considerar esta possibilidade? E quem poderia sugerir isto a você? Não consigo imaginar como alguém possa sequer chegar até você com o assunto.

O casamento é uma construção que deve ser bem cuidada para que não adoeça e até mesmo morra. Apenas sobraram os aspectos externos, propriedades, contas, amigos, filhos, coisas assim. Qualquer coisa pessoal entre nós já acabou e faz bastante tempo. Agora, é se defender para não ser destruído por esta situação a medida que a idade avança e nos impede de ter uma mínima de realização pessoal em nossos últimos dias.

Alimente sua auto-estima, valorizando suas necessidades individuais. Os outros casais tentam fazer isto juntos, para nós só resta fazer isto separadamente. Para mim, sobretudo, é uma questão de sobrevivência, para não ser engolido por sua fúria possessiva. E não vou me deixar subjugar, isto tem que ficar claro.

Não ignore as crises ... elas sinalizam que algo não está bem sintonizado. Nada mais está sintonizado : se não ignorarmos um pouco as diferenças, as crises se transformarão em um inferno permanente. Seria preciso para nós recomeçar na base ... e isto, agora, pode ser muito difícil.

Busque alternativas novas para seus problemas ... Um divórcio não é uma solução, mas talvez uma forma de vivermos mais afastados e menos tempo juntos fosse conveniente para os dois.

Esteja atento a se o que sente está coerente com o que você expressa. Me treinei ao longo destes anos a não mostrar e não expressar o que sentia, como forma de proteção. Tenho consciência que, cada vez mais, devo tomar um cuidado muito grande para manter a calma e autocontrole e não me permitir falar coisas que possam provocar reações indesejadas. Tenho conseguido, por exemplo, resistir às suas agressões, sem retribuir. Você acaba se acalmando mas dificilmente espero ouvir um pedido de desculpas, que faria tão bem à nossa relação.

Saiba pedir ajuda quando precisa. Definitivamente, não gosto. Prefiro não precisar mas haverá ocasiões que isto será necessário. O mais difícil é convencê-la do que eu preciso, não daquilo que você acha que eu preciso.

Entender que herdamos certas expectativas, influências, etc ... É verdade, me dou conta que, apesar de todos estes anos no Brasil, ainda conservo valores e comportamentos muitos diferentes da média do ambiente. E a medida que a idade me chega, percebo que não desejo abrir mão do que eu sou como indivíduo! Mas minhas "idiossincrasias" se referem basicamente a diferir de alguns costumes locais como gostar de futebol, carnaval, novelas, corridas de automóveis, o que não é tão grave assim. Mas existem coisas, como o hábito da leitura e de um certo tipo de leitura, e uma preocupação com assuntos filosóficos e religiosos que realmente me isolam do meu ambiente. E não encontro respaldo em meu círculo de amizades para este tipo de interesses. E certamente, você é a última pessoa que poderia me oferecer este respaldo : fazem literalmente décadas que não vejo você ler um livro! Qualquer livro! A não ser que você considere Caras ou Tititi como literatura!

Saber que um casal não precisa se fundir ... isso é destrutivo, pois um engole o outro. Esta é minha queixa maior, minha maior preocupação ... Não quero ser engolido, não vou permitir especialmente porque estou convencido que, se meu sistema de valores não é o melhor, é certamente o melhor para mim ... e é certamente melhor do que seu.

Objetivo comum de vida, lado a lado. Fico realmente me perguntando se estou querendo envelhecer ao seu lado .... sim, tenho medo de ficar sozinho, de não ter companheira para os meus últimos dias, de abandonar amigos, família, ter problemas financeiros, recomeçar tudo de novo .... mas estou começando a achar que o preço a pagar está sendo muito alto ...

Prestar atenção na forma de comunicação (entonação, expressão, gestos). Não sei exatamente o que diz minha linguagem corporal, eu ouço você dizer que mostra meu descaso, meu desinteresse .... e você deve estar certa. Ando muito desmotivado, não necessariamente deprimido como você conclui .... mas, sim bastante desmotivado. Certamente, sua linguagem corporal, que você sempre nega, é sempre de desprezo e raiva. Não adianta dizer que você mudou o tom, você de repente vira carneiro, mas a lembrança é ainda muito viva depois de uns poucos minutos, para ser apenas uma ilusão ou um engano de minha parte.

Ser capaz de conhecer suas qualidades, seu potencial e suas limitações. Estou começando a me ver sobre outros ângulos. Não sou tão desprezível assim. Tenho meu valor. Tenho cultura e educação, bastante leitura, conheço quatro idiomas, sou um cara relativamente inteligente, posso ser educado e cavalheiro, posso manter uma boa conversa com uma pessoa inteligente, escrevo relativamente bem; pratico tênis, Tai chi, já soube nadar direito; sei jogar razoavelmente baralho, e ainda conheço xadrez, gamão, palavras cruzadas; já tive uma posição razoável no trabalho; não sou tão desastrado assim em meus contatos sociais e nem anti-sociável; tenho um certo talento para artes plásticas. Não tenho grande experiência sexual mas não sou tão primário assim e aos 62 anos, tenho boa aparência e um bom físico, ainda tenho algum charme e posso chamar a atenção.


Minhas limitações : não tenho carisma natural e não faço - e nem me interesso em fazer - amigos com facilidade; não acho sexo tão importante assim nem encontro realização pessoal no casamento; não levo jeito para atividades de afirmação sexista; não sei jogar conversa fora e não tenho paciência com pessoas despreparadas intelectualmente; não tenho uma preocupação maior com dinheiro e aparência social; não ligo a mínima para posição social; nunca aprendi a dançar direito e tenho uma enorme frustação de não ter nenhuma habilidade musical inata.

O que eu acho de seus pontos fortes. Você é uma pessoa muito inteligente e bastante perspicaz; muito ativa; sabe o que quer e vai buscar; tem uma certa disposição para o convivência social e gosta do contato social; não hesita em manter uma comunicação bastante espontanea; já foi uma mulher relativamente bonita; tem um savoir-faire natural e uma boa experiência de vida. Suas limitações : não tem a menor preocupação de cunho intelectual ou espiritual; não tem preparo cultural e tem ojeriza a assuntos relacionados; tem preconceitos exageradamente e injustificadamente rigorosos; totalmente dessexuada; preocupação exagerada com a aparência social e valoração excessiva de pessoas com dinheiro ou posição social; pode ser teimosa, agressiva e insensível aos sentimentos das pessoas; extremamente mandona e controladora; pode ser bastante interesseira na escolha de seus relacionamentos; e ... pensa que sabe dançar.

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